Eurípedes B. Carvalho
Relendo a narrativa de Marcos, no seu evangelho, cap. X:13-16, a imaginação nos leva, pela emoção, a criar cenário quase que natalino: A bucólica paisagem da Palestina, a figura luminescente do Mestre, os discípulos à sua volta, a criançada em alegre algaravia correndo ao seu redor e os pais, mais próximos, pedindo-Lhe que as tocasse com suas mãos diáfanas, revelam-nos um quadro de incontida e inocente euforia. Preocupados, os discípulos, querendo poupar Jesus de tamanho alarido, tentam a todo custo impedir a aproximação das crianças, no que são, de imediato, repreendidos por Ele: Deixai vir a mim os pequeninos, e não os embaraceis, porque o Reino de Deus é daqueles que se lhes assemelham.
E, acolhendo-as, estendia-lhes as mãos e as abençoava. Dá para sentir, neste exercício de imaginação, a estupefação de todos, surpresos por esta advertência. Tal episódio, aparentemente trivial, foi suficiente para que o Mestre, de forma didática, usando a criança como símbolo de pureza, legasse-nos mais um de seus preciosos ensinamentos.
A conclusão a que se chega é simples: o Espírito, em seu processo evolutivo, só atestará o seu estado de perfeição quando, em comportamento e atitude, se igualar à simplicidade e pureza de uma criança. Em nenhuma hipótese quis o Mestre dizer que a criança é um ser sem máculas, e, que, ao desencarnar nessa idade, alcançaria – alados serafins -, as benesses divinas, como preconizam algumas teologias cristãs.
Graças às luzes que a Terceira Revelação veio lançar sobre as verdades entremeadas nos textos bíblicos, em especial no Novo Testamento, sabe-se, hoje, de forma incontestável, que a alma da criança não foi criada no momento da concepção. Que se trata de Espírito que já percorreu longa caminhada, trazendo aos ombros vasta bagagem, constituída de vícios e virtudes adquiridos em número incalculável de existências.
Sendo assim, como pôde Jesus azee-la como símbolo de pureza? Seria injusta a comparação se levássemos em conta a anterioridade da alma. Mas, do ponto de vista da vida presente, a escolha é correta. Salvo raras exceções, toda criança deixa transparecer no seu semblante os traços da inocência e da candura. Não é comum, desde cedo, uma criança demonstrar más tendências oriundas de vidas passadas.
É natural que assim seja. A sabedoria da lei assim o permite. Sua total dependência, fragilidade e inocência, demonstradas nos primeiros anos de vida, têm o condão de sensibilizar o amor materno – sentimento que na Terra, é o que mais próximo se mostra do amor de Deus. Para os pais, o filho, quando criança, será sempre um anjo de ternura. Com os órgãos e sentidos em desenvolvimento, suas faculdades em estado latente, o Espírito vê-se impossibilitado de se manifestar plenamente. Até aos sete anos ele ainda se mostra em processo reencarnatório.
Seu corpo frágil não resistiria à manifestação de um caráter viril e, menos ainda, o latejar das complexas idéias de um adulto. As atividades oriundas do ser inteligente, com o passar dos anos, são proporcionais ao desenvolvimento do corpo físico, até que, gradualmente, chegue à maioridade, retomando sua integral personalidade. Em resposta à questão 385, de O Livro dos Espíritos, assim se pronunciaram os Espíritos luminares da Codificação: (…) As crianças são os seres que Deus manda a novas existências. Para que não lhe possam imputar excessiva severidade, dá-lhes ele todos os aspectos da inocência. Ainda quando se trata de uma criança de maus pendores, cobrem-se-lhe as más ações com a capa da inconsciência. Essa inocência não constitui superioridade real com relação ao que era antes, não. É a imagem do que deveria ser e, se não o são, o conseqüente castigo exclusivamente sobre elas recai. Assim, sob este ponto de vista, está certo nosso Mestre Jesus, que mesmo considerando a anterioridade da alma, usa a criança como exemplo de candura, simplicidade e pureza.