Conhecimento científico versus religioso: um debate mais que necessário

Adolfo de Mendonça Junior
Articulista, palestrante, pesquisador, professor de história
Ainda estamos no período de transição, de lutas e do bom combate, assistimos à fóruns pela internet sobre a crença de que a terra é plana, que o homem não pisou na lua, que não devemos vacinar nossos filhos. E nesse contexto, presenciamos o aumento do discurso de ódio e a intolerância religiosa.
Vivemos num Estado laico; a Constituição Federal garante a liberdade de culto religioso. Existe uma barreira enorme entre ciência e religião. O conhecimento científico é baseado em pesquisas, experimentos, análises e observações, enquanto o conhecimento religioso se alicerça na fé, na teologia e no dogmatismo religioso. No entanto, desde a publicação de “ O Livro dos Espíritos”, em 18 de abril de 1857, Allan Kardec, o codificador do espiritismo, inaugurou uma nova fase na relação entre ciência e religião: a era da aproximação e de interdependência. Com o advento do espiritismo, Kardec encetou um novo tipo de fé, a fé raciocinada, que valoriza o conhecimento científico em detrimento do senso comum e do fanatismo religioso, ao mesmo tempo evoca os homens a pensar em Deus, na vida espiritual e na regeneração da humanidade. Segundo Allan Kardec, a ciência e o espiritismo, que é uma ciência de observação (Cf. KARDEC, 2013b, p.40), se concluem.
É notório que o objeto de estudo da ciência é o homem, a sociedade, o meio ambiente, os seres orgânicos e inorgânicos, os reinos mineral, vegetal e animal etc., em outras palavras, o homem e o mundo material. Consoante Kardec “[…] a Ciência propriamente dita tem por objeto o estudo das leis do princípio material […]” (KARDEC, 2013a, p.23); enquanto o objeto de estudos do espiritismo são os Espíritos, o mundo espiritual, sua relação com os homens e o mundo material, bem como as consequências morais que resultam dessas relações, em síntese, o objeto de estudo do espiritismo são as leis do princípio espiritual (Cf. KARDEC, 2013b, p.40). Portanto, a ciência e o espiritismo têm objetos de estudo diferentes.
No entanto, “O Espiritismo caminha ao lado da Ciência, no campo da matéria: admite todas as verdades que a Ciência comprova […]” (KARDEC, 2005, p.315, grifo nosso). Sem o espiritismo, a ciência não consegue explicar algumas de suas teorias ou fenômenos naturais, como a causa de certas doenças, por exemplo, enquanto “[…] o espiritismo, sem a ciência, carece de apoio e controle e poderia embalar-se em ilusões” (KARDEC, 2007, p.363, grifo nosso). Fica evidente nos excertos acima que o espiritismo reconhece a importância da ciência, ainda que seja materialista. Allan Kardec chega a afirmar que “Repudiar a Ciência é, pois, repudiar as leis da Natureza e, por isto mesmo, renegar a obra de Deus […]” (KARDEC, 2012, p.277). É evidente que o espiritismo vai além, num terreno que não é próprio da alçada da ciência.
“O Espiritismo está longe de haver dito a última palavra, quanto às suas consequências, mas é inquebrantável em sua base, porque esta base está assentada nos fatos. (KARDEC, 2007, p.65)”, ou seja, seus princípios fundamentais são conhecimentos fortemente estruturados. Eis um ponto forte do espiritismo, ele é uma doutrina progressista: se uma nova descoberta ou revelação, física ou metafísica, demonstrar que ele está superado em algum ponto, ele se modificará nesse ponto, assimilando seus princípios; desse modo, nunca será ultrapassado (Cf. Kardec, 2005, p.420). É a ciência, só a ciência, espírita ou convencional, que atualizará o pensamento de Kardec.
Em tempos de propagação de “fake news”, teorias da conspiração, culto ao senso comum e ao facciosismo religioso, enaltecer o conhecimento científico é uma demonstração de coerência doutrinária. Consoante Bezerra de Menezes, é “Indispensável a nossa fidelidade aos postulados espíritas conforme exarados na Codificação”. Diante deste quadro, resta-nos ser coerentes com o que apregoa nossa doutrina. É nossa tarefa, fomentar a aproximação entre ciência e religião, afervorar a fé raciocinada. Para concluir, meditemos sobre essa máxima de Kardec: “Fé inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade (KARDEC, 2013c, p.256).”
Referências:
KARDEC, Allan. Dos Cismas. In: Obras póstumas. Trad. Guillon Ribeiro. Rio de Janeiro: FEB, 2005.
__________. Perpetuidade do espiritismo. In: In: Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. Ano oitavo – 1865. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2007.
__________. A religião e o progresso. In: Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos. Ano sétimo – 1864. Trad. Evandro Noleto Bezerra. Rio de Janeiro: FEB, 2012.
__________. A gênese: os milagres e as predições segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro.Brasília: FEB, 2013a.
__________. O que é o espiritismo: introdução ao conhecimento do mundo invisível, pelas manifestações dos espíritos. Trad. Redação de Reformador em 1884. Brasília: FEB, 2013b.
__________. A fé religiosa: Condição da fé inabalável.In: O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. Brasília: FEB, 2013c.
Close Menu